Batem leve levemente,
Como quem chama por mim...
Será chuva? Será gente?
Gente não é certamente,
E a chuva não bate assim...
É talvez a ventania...
Mas há pouco, há poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho...
Quem bate assim levemente,
Com tão estranha leveza,
Não se ouve, não se sente,
Não é chuva, não é gente,
Nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu,
Branca e leve , branca e fria...
Há quando tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho atrás da vidraça...
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente, e, quando passa,
os passos imprime e traça
Na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança…
E descalcinhos, doridos…
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!…
Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!…
Porque padecem assim?!…
E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
–e cai no meu coração.
Augusto Gil (1873-1929) - Luar de Janeiro